Olá pessoas. Mais uma da série "publicando o que estava nos rascunhos a mais de um ano". Esse post seria de dicas para estudantes de engenharia não sofrerem tanto durante a graduação. Mas o tópico foi alterado por dois motivos:
O primeiro é a falta de competência minha para aconselhar como os outros devem estudar. Não acho que existe fórmula pronta e universal. Cada um deve buscar adequar um método ao seu estilo e sua realidade. Nem tudo que funciona para uma pessoa vai funcionar para as outras.
O segundo motivo é que há um tema que eu gostaria de abordar muito mais, e que me deixa indignado. E esse tema é a arrogância dos estudantes e profissionais de algumas áreas. Eu vou falar aqui majoritariamente da engenharia, mas sabemos que essas atitudes são praticadas por estudantes de outros cursos, comumente direito e medicina.
Peço que entendam que eu não estou generalizando, mas apenas expressando minha opinião. Os comentários estão democraticamente abertos a qualquer um que queira expressar uma opinião diferente da minha.
Engenharia é o curso mais difícil, etc e tal
No facebook, na página "Engenharia Depressão" vemos muitas piadas envolvendo a falta de vida social dos estudantes de engenharia como, por exemplo 'sonhava em fazer engenharia, hoje não durmo mais', etc... A realidade é que os futuros engenheiros gostam de dizer o quanto o curso de engenharia é difícil.
O conceito de difícil é difícil de definir. A verdade é que o curso de engenharia requer raciocínio lógico e um fundamento matemático e físico muito sólido. Sim, é necessário estudar muita matemática se comparado com o ensino médio e, como eu vi na revista Veja uma vez, as pesquisas indicam que somente 11% dos alunos saem do ensino médio sabendo o que deveriam saber da matéria.
Então existe esse argumento de que engenharia pode ser um pouco difícil por que, em média, o aluno não ingressa suficientemente preparado. Mas a engenharia é excessivamente difícil? Não. É um curso superior que exige dedicação tanto quanto outros cursos superiores.
Porém cursos como administração, design e etc são motivos de piadas nas rodas de estudantes de engenharia. Categorizados como cursos fáceis são ridicularizados tanto por alunos quanto por alguns professores. Frases do tipo: "Se você não consegue entender a matéria, tenta fazer um curso mais fácil, tipo administração" são bordões comuns no ambiente acadêmico da engenharia.
Mas é claro que isso, por si só, não satisfaz o ego desses indivíduos. Ainda é preciso mais. Cursos de engenharia mais tradicionais, como civil, elétrica e mecânica ridicularizam os cursos mais recentes como alimentos. Cursos de engenharia com maior carga matemática (e.g. elétrica e controle) ridicularizam cursos de engenharia com menor carga matemática.
A esse tipo de indivíduo recomendo que vá buscar um auxílio psicológico. Ah, esqueci, eles menosprezam os psicólogos também. Pois que vivam na mediocridade deles.
Trotes
Quero iniciar pontuando algumas coisas:
1) Me orgulho muito dos cursos de engenharia da UCS. Até onde sei não tem trote em nenhum curso de engenharia. Eu não sofri trote quando entrei e agora como veterano nunca ouvi falar desse tipo de prática.
2) Esse assunto é ideal para desabafar por escrito. Quem já conversou presencialmente comigo sobre esse tema sabe que eu perco a calma. Eu não consigo argumentar ponderadamente sobre esse tema pois ele me causa uma indignação no sentido literal do termo (sentimento de cólera ou de desprezo experimentado diante de indignidade, injustiça, afronta; repulsa, revolta).
Dito isso, vamos adiante.
Inadmissível.
Essa é minha opinião sobre os trotes. Mas preciso desenvolver minha linha de pensamento, então vamos começar pelo que eu entendo como trote.
Eu presenciei ao vivo apenas um trote na minha vida, do curso de direito da UCS, que relatarei nas próximas linhas.
Os veteranos obrigam os novatos a ficarem ajoelhados na frente do bloco de direito. O locutor dos veteranos grita frases que os calouros devem repetir. Frases que me causam repulsa, que nada tem a ver com o ambiente acadêmico. Frases com temática de álcool, festas e subordinação para com os veteranos. Enquanto isso uma pessoa é encarregada de monitorar os calouros. Se algum deles tenta se levantar, ou se desequilibra, recebe aos gritos ordem para voltar a posição.
"Juro acreditar no direito como a melhor forma para a convivência humana. Juro fazer da justiça uma consequência normal e lógica do direito. Juro confiar na paz como resultado final da justiça. E, acima de tudo, juro defender a liberdade, pois sem ela não há direito que sobreviva, muito menos justiça, e nunca haverá paz..."
Esse é um trecho do juramento do curso de direito que achei na internet, em um PDF de uma universidade do Espírito Santo. Não é coerente com as atitudes descritas.
Não é raro abrir um site de notícias do Brasil e ver uma matéria dessas pelo menos uma vez ao ano:
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/viver-sp/blog/2014/02/22/morte-de-calouro-da-usp-completa-15-anos/
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/04/vivi-os-piores-momentos-da-minha-vida-diz-jovem-sobre-trotes.html
Pois vejamos o juramento da medicina nos diz:
"...
Eu manterei por todos os meios ao meu alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica;
Meus colegas serão minhas irmãs e irmãos;
Eu não permitirei que concepções de idade, doença ou deficiência, religião, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, condição social ou qualquer outro fator intervenham entre o meu dever e meus pacientes;
Eu manterei o máximo respeito pela vida humana;
Eu não usarei meu conhecimento médico para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça;
Eu faço estas promessas solenemente, livremente e pela minha honra"
Você enxerga concordância entre essas palavras e as notícias mostradas anteriormente? Não consegue, não é? Pois não existe concordância. E por favor, não me entendam errado. Não estou dizendo que apenas os cursos com juramentos bonitinhos precisam abolir os trotes. Os trotes devem ser erradicados do ambiente acadêmico, onde estão enraizados em instituições de respeito do nosso país.
Quero ainda combater outro argumento: Mas o trote é voluntário, participa apenas quem quer.
Deixe-me expor a situação tal como ela é. O indivíduo acaba de sair do ensino médio e ingressa no ensino superior. Ele agora está inserido em um ambiente novo e cercado de pessoas desconhecidas. É natural do ser humano querer socializar e interagir com os outros. Tanto pessoas na mesma situação dela (outros novatos) quanto com as pessoas que estão em uma posição academicamente mais elevada, como os veteranos.
O problema é que os veteranos exigem como moeda de troca para a socialização a submissão daqueles indivíduos as suas práticas sádicas.
O calouro percebe então que o início de sua vida acadêmica não será tão acolhedor se ele não participar do trote. Ele percebe que sua relação com os colegas mais experientes não será tão agradável se ele não participar do trote. Isso não é uma escolha livre. Houve uma pressão externa nesse indivíduo.
O indivíduo então se submete ao trote contra sua vontade (embora algumas vezes ele mesmo acredite que seja por livre escolha) e, futuramente, aplica essa pressão nos calouros da vez.
Cabe as instituições reprimirem veementemente esse tipo de prática. As faculdades e universidade precisam entender que por trás do bom profissional é necessário um bom ser humano. E alguém que joga um rapaz de 22 anos, que não sabe nadar, dentro de uma piscina, contra sua vontade, não é um bom ser humano.
Chega de escrever por hoje.